TEMPO Nº 3 - FOTOGRAFIAS DE CONSTÂNCIA (1)

Constância, escadas da Praça Alexandre Herculano, vulgo praça. Julho de 2003.

TEMPO Nº2 - TEMPO DE VOYAGES... TEMPO DES DAMES... E O QUE MAIS SE VERÁ...


"Parti então, com muita alegria, para a minha appetecida romagem ás Cidades da Europa.
Ia viajar!... Viajei. Trinta e quatro vezes, á pressa, bufando, com todo o sangue na face, desfiz e refiz a mala."
Eça de Queirós, A cidade e as serras, 1901


Karl Baedeker é um daqueles nomes ao lado dos quais dificilmente se passará, por muito tempo.
Ainda hoje é imagem de marca e uma referência incontornável, para viajantes no espaço e no tempo, para os que gostam de ambientes descritos em primeira mão... bem como para outros incontornáveis desígnios.
Quem é, quem foi Karl Baedeker? Pois bem, nada mais nada menos do que um dos grandes viajantes pelo imaginário bem real, pelo território do sonho, bem real... pelas europas de então ( e não só), nado em 1801 e fundador do que são os famosos guias Baedeker. A viagem pelo sonho, sem fronteiras, pelo espaço da vida europeia (e não só), tão artística quanto inevitavelmente interessante, é/foi o espaço onde Baedeker projectou e realizou o que sonhou, sentia e queria.

A quem porventura se interesse por estes assuntos dos guias e da literatura de viagens - e para além de Baedeker em alemão, francês e inglês retenham-se pelo menos os nome de Adolphe Joanne/Guides Bleus/Hachette e de John Murray - podem sempre começar por um dos Bê À Bás, que é como quem diz, por algo do tipo das seguintes páginas, da literatura de viagens... dos inventários bibliográficos, da literatura descritiva de gentes, paisagens, edifícios, praças, ruas, cidades, modos de ser e estar... de estéticas a bem dizer, também com passagem por Portugal, bem, mas isso são contos doutras histórias.
http://www.crlv.org/swm/Page_Conference.php?P1=247
http://bdkr.com/index.php

Em 1910, na 9ª edição do Manuel du voyageur Le Sud-Est de la France, com edição simultânea em Leipzig e Paris, dá-nos o guia Baedeker em apreço, sob forma pragmática à época mas denotativa hoje, uma pérola da literatura do género e das mentalidades da época. A saber:
"Les dames qui voyagent en touristes, c'est-à-dire plus pour voir que pour être vues..." cf. pág. XIII.



Et voilà!

Conclusão
1 - O sonho, le voyage, desta feita em 1900s e seguintes, o imaginário, as paisagens urbanas a visitar enquanto sinónimo de elevação dos espíritos, como soe dizer-se, as mentalidades... parecem andar de mãos dadas, pelos tempos.
2 - Estas formas de ser, estar, adquirem-se, ensinam-se, transmitem-se...

TEMPO Nº 1 - TEMPO DE TEATROS... DE CENÁRIOS... DE ARQUITECTURA DA CIDADE


"Tenho uma espécie de dever de sonhar sempre [...] tenho que ter o melhor espectáculo que posso."
Bernardo Soares, Livro do desassossego, 1931

Sonhar... significa ver para além do visível, significa organizar valores, ideias, espaços, formas, objectos.
Sonhar significa modular espaços e formas onde acontecem coisas que dão sentidos à vida... vida essa que também só é perceptível através dos sentidos... todos...
É pelo sonho que nos evadimos desta aparente tautologia dos sentidos da vida e da vida pelos sentidos... todos...
Os espaços onde acontecem coisas que dão sentido à vida têm forma, cor, chamam-se praças, largos, ruas, edifícios, nada disto é novo, outrossim velho q.b.
Poderia lá ser de outra maneira, para quem conheceu a organização espacial grega, romana, interrompida mas retomada, bem tarde, com o quattrocento italiano que de Florença sonhando partiu, voou, criando espaços onde eles não existiam.

Quando Alberti no De re aedificatoria de 1458 retomou os textos de Vitruvius, do De architectura escrito depois de 27 A.C., a bem dizer recolocou a questão fundamental - dar forma ao espaço onde existimos... é dar sentido(s) à vida.
Dar forma ao espaço é construir cenários, para a vida sonhada, é imaginar espaços para papéis e representações da vida.
Um dos espaços mágicos do território europeu é o da representação de papéis da vida... real e imaginária - o teatro edifício. Quando Alberti retomou o percurso de Vitruvius reservou no seu tratado de arquitectura um lugar próprio para o edifício teatro que desde então não mais deixou de estar presente no espaço onde existimos, a cidade, esse espaço organizado onde acontecem coisas públicas e privadas.
Tinha chegado a tratadística, via geometria e metafísica, agora enriquecida pela perspectiva, dos espaços que mais não são do que o palco da vida, previamente sonhada.
O espaço edifício teatro serve assim para a representação pelo texto, pela palavra, pelo gesto, pelo acto, pelo som, pela expressão corporal... e o quattrocento italiano (re)tomando percursos gregos, romanos, acrescentou-lhes não um ponto, mas um conto e desta vez com música. Era inevitável que assim fosse e assim foi, logo em 1607 com a estreia em Mântua da ópera L'Orfeo (favola in musica) de Monteverdi.
Pois é, já lá estamos, entre o renascimento e o barroco passaram a ser necessários novos espaços cénicos, teatros, edifícios, novas formas arquitecturais que permitissem a representação de novos papéis e que projectassem o sonho da organização agora não apenas do espaço mas, quiçá, duma vida nova! Estávamos agora já não perante a vida que reclama espaços, mas perante espaços que sugerem vida(s).
Foi assim até hoje e já lá vão mais de 500 anos desta história... tudo gestos e actos sonhados pelos melhores entre os melhores, de forma erudita.

Ah... e last but not least, era inevitável, estas novas tipologias arquitectónicas para além de fornecerem uma forma para as novas/velhas funções serviram e servem para disciplinar o ordenamento da cidade na medida em que correspondem a funções nobres da vida pública, pontuam as praças, os largos, enformam cenicamente os horizontes visuais, alinham planos de fachadas contínuas, regulam as estruturas urbanas, são, de forma indelével, arquétipos de um modus vivendi, lá mais atrás sonhado.

Conclusão
A bem dizer, para além dessa notável manifestação de civilização que é a arquitectura da cidade, é de estética que estamos a falar, para os tempos.
Estes saberes adquirem-se, ensinam-se, transmitem-se... porque não são genéticos. Menos que isto, é pouco, muito pouco, tão pouco...