"Tenho uma espécie de dever de sonhar sempre [...] tenho que ter o melhor espectáculo que posso."
Bernardo Soares, Livro do desassossego, 1931
Sonhar... significa ver para além do visível, significa organizar valores, ideias, espaços, formas, objectos.
Sonhar significa modular espaços e formas onde acontecem coisas que dão sentidos à vida... vida essa que também só é perceptível através dos sentidos... todos...
É pelo sonho que nos evadimos desta aparente tautologia dos sentidos da vida e da vida pelos sentidos... todos...
Os espaços onde acontecem coisas que dão sentido à vida têm forma, cor, chamam-se praças, largos, ruas, edifícios, nada disto é novo, outrossim velho q.b.
Poderia lá ser de outra maneira, para quem conheceu a organização espacial grega, romana, interrompida mas retomada, bem tarde, com o quattrocento italiano que de Florença sonhando partiu, voou, criando espaços onde eles não existiam.
Quando Alberti no De re aedificatoria de 1458 retomou os textos de Vitruvius, do De architectura escrito depois de 27 A.C., a bem dizer recolocou a questão fundamental - dar forma ao espaço onde existimos... é dar sentido(s) à vida.
Dar forma ao espaço é construir cenários, para a vida sonhada, é imaginar espaços para papéis e representações da vida.
Um dos espaços mágicos do território europeu é o da representação de papéis da vida... real e imaginária - o teatro edifício. Quando Alberti retomou o percurso de Vitruvius reservou no seu tratado de arquitectura um lugar próprio para o edifício teatro que desde então não mais deixou de estar presente no espaço onde existimos, a cidade, esse espaço organizado onde acontecem coisas públicas e privadas.
Tinha chegado a tratadística, via geometria e metafísica, agora enriquecida pela perspectiva, dos espaços que mais não são do que o palco da vida, previamente sonhada.
O espaço edifício teatro serve assim para a representação pelo texto, pela palavra, pelo gesto, pelo acto, pelo som, pela expressão corporal... e o quattrocento italiano (re)tomando percursos gregos, romanos, acrescentou-lhes não um ponto, mas um conto e desta vez com música. Era inevitável que assim fosse e assim foi, logo em 1607 com a estreia em Mântua da ópera L'Orfeo (favola in musica) de Monteverdi.
Pois é, já lá estamos, entre o renascimento e o barroco passaram a ser necessários novos espaços cénicos, teatros, edifícios, novas formas arquitecturais que permitissem a representação de novos papéis e que projectassem o sonho da organização agora não apenas do espaço mas, quiçá, duma vida nova! Estávamos agora já não perante a vida que reclama espaços, mas perante espaços que sugerem vida(s).
Foi assim até hoje e já lá vão mais de 500 anos desta história... tudo gestos e actos sonhados pelos melhores entre os melhores, de forma erudita.
Ah... e last but not least, era inevitável, estas novas tipologias arquitectónicas para além de fornecerem uma forma para as novas/velhas funções serviram e servem para disciplinar o ordenamento da cidade na medida em que correspondem a funções nobres da vida pública, pontuam as praças, os largos, enformam cenicamente os horizontes visuais, alinham planos de fachadas contínuas, regulam as estruturas urbanas, são, de forma indelével, arquétipos de um modus vivendi, lá mais atrás sonhado.
Conclusão
A bem dizer, para além dessa notável manifestação de civilização que é a arquitectura da cidade, é de estética que estamos a falar, para os tempos.
Estes saberes adquirem-se, ensinam-se, transmitem-se... porque não são genéticos. Menos que isto, é pouco, muito pouco, tão pouco...
Um "grand finale" toda a gente sabe o que é. A quem quiser saber o que é uma "grande ouverture", basta ler este teu texto.
ResponderEliminarIvone
A ver pela amostra, promete, e o autor é uma garantia de que o blogue será sempre interessante. Vou ser visitante regular. Os meus votos de sucesso.
ResponderEliminarJCC
Sejas então muito bem-vindo à blogosfera.Esperam-nos, certamente, grandes posts e muitas referências para nos ajudar a explorar o mundo como se fôssemos crianças deslumbradas. Longa vida para a Estética dos Tempos.
ResponderEliminarJR
Parabéns!
ResponderEliminarJá sou visitante e segura de que vou aprender bastante.
Se quiseres, posso emprestar-te a minha câmara fotográfica. Não é grande coisa, mas já não é descartável. A japónica, enviei-a para o Japão.
Um abraço
Parabéns da irmã.És um "CRAQUE"...
ResponderEliminarFinalmente, graças ao maravilhoso mundo que a net abriu ao mundo, podemos ver e sentir a fruição do prazer estético.
ResponderEliminarJoão Alfaro